Quando o nome desaparece, o sentido também se perde

 Desde criança, quando chegava essa época, as saudações, lembro bem, deixavam de ser: “tudo de bom!”, “até mais!” ou outra qualquer e se tornavam: “Feliz Natal” e “Próspero Ano Novo”. A verdade é que todos os anos, ao nos aproximarmos do fim de dezembro, somos envolvidos por um clima de celebração. Ruas iluminadas, vitrines decoradas, confraternizações, músicas conhecidas. No entanto, quanto mais o cenário se torna festivo, mais silencioso parece o motivo real da celebração. A troca da expressão “Feliz Natal” por “Boas festas” é apenas um sintoma visível de algo mais profundo: a perda progressiva do sentido do Natal.

E aqui a pergunta precisa ser feita com honestidade: isso é apenas uma adaptação de linguagem ou estamos, de fato, perdendo o centro da celebração?

Quando o Natal vira apenas um período, e não um acontecimento

Hoje, fala-se amplamente em “período de festas”, “temporada natalina” ou “recesso de fim de ano”. O Natal deixa de ser um acontecimento singular para se tornar parte de um pacote genérico de celebrações. Ele passa a ser definido mais pelo calendário comercial do que pelo calendário cristão.

 Vemos, por exemplo:

  • Escolas realizando “festas de encerramento” sem qualquer referência ao Natal;
  • Apresentações infantis substituindo o presépio por personagens neutros ou genéricos;
  • Músicas natalinas esvaziadas de qualquer referência à encarnação, focando apenas em clima, afeto ou consumo;
  • Campanhas públicas cuidadosamente elaboradas para evitar qualquer menção ao nascimento de Jesus.

 Nada disso acontece por acaso. Trata-se de uma tentativa de “desreligiosizar” uma festa que, por natureza, é teológica.

A substituição do conteúdo pelo clima

 Outro sinal claro da perda de sentido é a substituição do conteúdo pelo clima. O Natal passa a ser celebrado como um sentimento: paz, fraternidade, solidariedade. Esses valores são bons, desejáveis e profundamente cristãos. O problema é quando eles são apresentados sem a fonte que os sustenta.

Fala-se de paz, mas não do Príncipe da Paz. Fala-se de amor, mas não daquele que “nos amou primeiro”. Fala-se de esperança, mas não da encarnação que a fundamenta.

O resultado é um Natal bonito, porém vazio; agradável, porém frágil; emocional, mas não transformador. Um Natal que depende do humor coletivo e não de uma verdade eterna.

O apagamento do nome é o apagamento da história

Natal é uma palavra carregada de significado. Ela aponta para a natividade, para um nascimento específico, em um lugar específico, em um tempo específico. Quando deixamos de nomear o Natal, deixamos também de contar sua história.

A Bíblia não trata o nascimento de Jesus como um mito inspirador, mas como um evento real:

  • Houve uma manjedoura,
  • Houve pastores,
  • Houve uma criança,
  • Houve uma promessa cumprida.

Quando o nome desaparece, a história se dissolve. O Natal se torna intercambiável com qualquer outra celebração de fim de ano. E aquilo que é intercambiável, com o tempo, se torna descartável.

A noite que precisa ser afirmada

 

Há algo profundamente simbólico no fato do Natal ser celebrado à noite. Foi na noite que os anjos anunciaram aos pastores. Foi na noite que a luz brilhou nas trevas. Em uma noite comum, Deus fez algo extraordinário.

Por isso, há noites que precisam ser afirmadas, não relativizadas. O Natal não é apenas um intervalo entre dois feriados. É a noite em que a Igreja proclama: “Hoje vos nasceu o Salvador”.

Não afirmar isso, especialmente na própria comunidade cristã, é aceitar que o silêncio substitua o anúncio.

Não se trata de impor, mas de testemunhar

Reafirmar o sentido do Natal não é um ato de intolerância cultural. É um ato de coerência espiritual. A fé cristã nunca avançou pela imposição, mas sempre pela proclamação.

Dizer “Feliz Natal” não é exigir que todos creiam, mas é assumir publicamente o que cremos. É reconhecer que a nossa alegria não vem apenas do encontro, da ceia ou do descanso, mas do fato de que Deus entrou na nossa história. Quando a Igreja se cala, o Natal não se torna mais inclusivo; torna-se apenas mais raso.

Festas passam. O Natal anuncia algo eterno

 Festas acabam. As luzes se apagam. As músicas param. O comércio desmonta suas vitrines. Mas o Natal, enquanto anúncio, permanece. Permanece porque fala de algo que o mundo continua a necessitar: reconciliação com Deus, sentido para a vida, esperança que não depende das circunstâncias.

Por isso, talvez a pergunta não seja apenas “Boas festas ou Feliz Natal?”, mas: O que estamos dispostos a perder para não afirmar aquilo que celebramos?

A Igreja não precisa gritar. Mas também não pode se esconder. Em tempos de confusão de sentidos, afirmar o Natal é um ato de fidelidade. Porque festas há muitas. Mas Natal é o anúncio de que Deus veio até nós.

E isso, sim, faz toda a diferença.

Qual é a sua saudação? A minha continua sendo…

Feliz Natal e abençoado e um próspero Ano Novo.

Esse é o meu desejo para você!

Miguel Uchoa

Bispo Primaz

Igreja Anglicana no Brasil